sábado, setembro 09, 2006

Desconcerto para Voz e Piano

para N


Toma nota: existem precipícios sem desmoronamentos. Disfarço-os descansando os dedos no piano, como se a música iludisse anos de silêncio. Passando de oitava em oitava, a minha mão direita só finge a rugosidade dos parapeitos das pontes em Veneza.
Nunca estivemos tão à beira de nos lançarmos uma na outra, de passar o precipício e dizermo-nos adeus.
Toma nota: existem catacumbas dentro de nós. Assento os dedos por hábito na parte esquerda e o som é cavo. Ergues o grito e pouco mais que o eco, percussão, espeleologia até ao centro da mudez.
Nada a fazer: não há mais ensaios, afinações, cordas que nos enlacem.
Toma nota e deixa-me descansar a cabeça sobre um colo. Não o teu, bem sabes que não foi bom confundirmos a batida dos pés no chão com um acerto de pulsações.

6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Vou gostar de tomar umas cafezadas contigo por aqui.
Beijinhos
P.S. - cuidado com o excesso de cafeina.

9/9/06 12:32 da manhã  
Blogger Alberto Oliveira said...

... de blog em blog vim parar a este blog (a conversa fiada do costume e para ganhar balanço para escrever o que vem a seguir) e encantaram-me os teus textos e a versatilidade da tua escrita. Do "Desconcerto para Voz e Piano" até ao "Um Maestro e duas Pandeiretas", está lá a música toda!
Aqui, neste sítio, jamais haverá pateada.

Legivel Acústico.




Legível

9/9/06 6:44 da tarde  
Blogger Teresa Durães said...

Bom... o Legível adiantou-se na conversa fiada...(bolas!)
(só não vi teus mas teu)

- Não tenho grande jeitinho para comentar...

Adorei. Pela repetição "Toma nota" a acentuar a ideia. (desgraça da N, não lhe deste margens a dúvivas)

A musicalidade nas palavras. Hum...espero que este Caffezar sirva muitas veze!

9/9/06 7:16 da tarde  
Blogger Alberto Oliveira said...

Não é para qualquer um ver o que não é visível... . Um dom (ou vocação?) que descobri possuir em garoto e que aperfeiçoei -já adulto, numa estadia de cinco dias na India. Por exemplo: fui o primeiro europeu a subir vinte metros pela famosa corda suspensa do nada... onde não havia a corda. Mas havia um elevedor...

10/9/06 2:13 da manhã  
Blogger Alberto Oliveira said...

... elevador.

10/9/06 2:14 da manhã  
Blogger nnannarella said...

Belo prelúdio. Desconcertante, pois então.
Para as particularíssimas tocatas e fugas que se adivinham em devir.
Não com café, que não aprecio, como sabes. Mas em qualquer bazar, com certeza:)
Toma nota: ficamos à espera da espeleologia até ao centro da nudez.
E de uma mão direita que finja a suavidade consistente de um bom vinho tinto, cujos anti-oxidantes, é sabido, são remédio eficaz contra as rugas da alma e o envelhecimento da pele da lírica.
Além do que tornam mais belas as mais belas vozes e ensandecem os dedilhares de virtuosismos.
Toma nota: as pontes de Veneza também estão cheias de vendilhões do templo e de caquinha de pombas.
Toma nota: estamos sempre à beira de um imenso adeus.

14/9/06 2:45 da tarde  

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