terça-feira, setembro 12, 2006

From Lisboa




A travessia do Tejo, pela Ponte 25 de Abril, é um espectáculo que me deixa sempre extasiada. O perfil da cidade vai-se-nos revelando de forma um pouco desordenada e mutável, quase instável, ainda que, estranhamente, todas essas características concorram para um todo homogéneo, vivo e tranquilo. Essa tranquilidade advém-lhe em larga medida da camada branca onde o sol põe, em dado momento do dia, reflexos dourados; de uma ideia branca que se desprende do seu conjunto. Vista dali, da altura que torna a visão mais abrangente e mais limpa, o branco especial da cidade permite mesmo imaginar o ar helénico que nunca chegou realmente a ter, sem que tal retrocesso no tempo seja incompatível com outros séculos e outras proveniências. Observo com agrado as miniaturas do Castelo, de São Vicente, da Sé, do Terreiro do Paço e da geometria milimétrica da Baixa; do CCB junto à ínfima Torre de Belém e do Padrão dos Descobrimentos, após o qual a terra guina e principia a deixar de ser Lisboa. Nada parece verdadeiramente real até se atingir o meio da travessia. Desta altura, posso sonhar que entro num cenário de filme, e os edifícios cabem na palma das mãos, a pedra converte-se em cartolina, o verde é sintético, as estradas falsas e amovíveis; numa perspectiva alternativa, não menos fantasiosa, a capital mais a ocidente da Europa Continental é uma espécie de museu prodigioso, detalhadamente esculpido a partir da ideia de uma outra cidade, uma metrópole que exista primeiro noutra dimensão, platónica e distante. Mas, felizmente, as coisas não se passam assim e Lisboa, tanto em ideia como em corpo, existe à saída da ponte. Analisada através desta visão silenciosa, mostra uma grandeza concisa, é frágil e forte, serena, compósita, antiga e recente. À medida que o trajecto por percorrer encurta, os espaços crescem, fecham-se ângulos e um leve bulício quotidiano sobrevém ao silêncio. O Tejo é uma planície de água, de aspecto muito diferente daquele rio que me acompanha nos meus passeios – mexido, odoroso, contido ou bravio, presente. Visto daqui, transforma-se num enorme caminho de água, que muda de configuração suavemente. Água azul, verde, cinzenta, dourada, dura, castanha e brilhante; água gelada, provavelmente, mas em todo o caso com aparência quente. É uma imagem lenta que inspira o seu quê de melancolia, como se, assim, o rio se exprimisse com nostalgia, nostalgia da terra que deixou ou da que se prepara para deixar ou talvez da outra terra longínqua, o lugar aonde, separado, deveria chegar.
Estou na Brasileira a cafezar, e o que acabaste de ler é mero devaneio (ou talvez não) que me ajudou a preencher de azul o vazio da página enquanto tu não chegas.

11 Comments:

Blogger butterfly said...

Rach, embora não estivesses à minha espera, achei bem terem-te feito esperar.
De cima da ponte, Lisboa é mesmo muito bela.
Beijo

12/9/06 2:11 da tarde  
Blogger segurademim said...

... lisboa é a minha cidade, azul a minha cor e o to and from a minha rotina diária

tudo muito familiar - o tejo, os cacilheiros, o porto... de abrigo?

chegou???

tu sim! sê bem vinda

12/9/06 3:47 da tarde  
Blogger De tudo e de nada said...

Rach. Adorei este texto sobre Lisboa e o Tejo. Algumas imagens são muito boas. Beijo.

12/9/06 4:18 da tarde  
Blogger Teresa Durães said...

também adorei.

o ponto mais bonitos para se chegar a Lisboa é a Ponte 25 Abril

(e o texto descreve bem)

Ah! E a Brazileira! Vivi aí perto 10 anos...

Boa noite!

12/9/06 11:43 da tarde  
Blogger Alberto Oliveira said...

Também adorei! Aliás, eu adoro tudo o que meta pontes. As pontes sobre os rios, as pontes ligadas aos feriados e fins-de-semana, as pontes nos dentes e a velha ponte-fiada na lojeca de bairro; "aponte aí que logo venho cá pagar". Ah! e "não aponte que é feio!".
Saio de mansinho a assobiar a Ponte do Rio Kwai...

12/9/06 11:59 da tarde  
Blogger Teresa Durães said...

(agora tramaste-me e em bom português)

eu?

falo de amor que perdura? (que acredito que exista... aqui em vida?)

13/9/06 12:26 da manhã  
Blogger rach. said...

Continua a divagar...porque os olhos do teu avô tinham aquele brilho do crente

13/9/06 12:33 da manhã  
Blogger rach. said...

A Ponte do Rio Kwai, não é um clássico? Também há as Pontes de Madison County, les Amants du Pont Neuf...le pont japonais de Monet...Bridge trouble water...Tantas pontes, pontes aereas...mas nã apontes o quê digo

13/9/06 12:47 da manhã  
Blogger Teresa Durães said...

Rach F. S. - Não preciso de divagar mais do que divago. O que leste não sabes a quem se dirigia nem a quando datava

13/9/06 10:56 da manhã  
Blogger rach. said...

Teresa F.S.-Tens razão...mas a que eu me dirijo, e a que é que me refiro no comentário?..Não biques, please.

14/9/06 12:09 da manhã  
Blogger Teresa Durães said...

não biquei.
não percebo porque razão foste ao Voando fazer semelhante comentário como se conhececes um segredo por desvendar. Se quiseres ser mais explicita é porque me conheces.

Então não fales por enigmas.



bom dia

14/9/06 12:32 da tarde  

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