sexta-feira, setembro 15, 2006

Ser, parecer



Entre o desejo de ser
E o receio de parecer
O tormento da hora cindida

Na desordem do sangue
A aventura de sermos (nós)
Restitui-(nos) ao ser
Que fazemos de conta que somos.

quinta-feira, setembro 14, 2006

Não te amo, quero-te

As nuvens fizeram sobrolho, o silêncio murmurou e… Chove! O ar está mais leve, a brisa que sopra a espaços tem cada vez mais a pronúncia do norte, e a luz branca cinza faz adivinhar o Outono que caminha calmamente entre as gentes… e chove. A luz amarelecida da Brasileira anuncia um entardecer precoce. Lá fora, há quem corra para se abrigar; quem simplesmente corra; quem ande, ande calmamente à chuva. É tão bom. Caminhar em silêncio, sentir o cheiro da terra acabada de molhar… o chá e os scones barrados a conversa de tudo e de nada. Ter a alma confortada, abençoada, lavada. E lá está, ao fundo, o Tejo, silencioso, da cor deste céu desgrenhado. Os dias de Outono trazem poesia ao corpo ainda aquecido pelo sol de Verão.
O tempo parou quando chegaste. Arrancaste esta pele de ausência, esta pele que há meses está tatuada pelo teu nome…Quero seduzir-te…Quero provocar-te com palavras, com o corpo… em gestos lânguidos, em gestos proibidos. Perco-me em carícias, desenho sensações…no meu corpo suado de prazeres antecipados.

terça-feira, setembro 12, 2006

From Lisboa




A travessia do Tejo, pela Ponte 25 de Abril, é um espectáculo que me deixa sempre extasiada. O perfil da cidade vai-se-nos revelando de forma um pouco desordenada e mutável, quase instável, ainda que, estranhamente, todas essas características concorram para um todo homogéneo, vivo e tranquilo. Essa tranquilidade advém-lhe em larga medida da camada branca onde o sol põe, em dado momento do dia, reflexos dourados; de uma ideia branca que se desprende do seu conjunto. Vista dali, da altura que torna a visão mais abrangente e mais limpa, o branco especial da cidade permite mesmo imaginar o ar helénico que nunca chegou realmente a ter, sem que tal retrocesso no tempo seja incompatível com outros séculos e outras proveniências. Observo com agrado as miniaturas do Castelo, de São Vicente, da Sé, do Terreiro do Paço e da geometria milimétrica da Baixa; do CCB junto à ínfima Torre de Belém e do Padrão dos Descobrimentos, após o qual a terra guina e principia a deixar de ser Lisboa. Nada parece verdadeiramente real até se atingir o meio da travessia. Desta altura, posso sonhar que entro num cenário de filme, e os edifícios cabem na palma das mãos, a pedra converte-se em cartolina, o verde é sintético, as estradas falsas e amovíveis; numa perspectiva alternativa, não menos fantasiosa, a capital mais a ocidente da Europa Continental é uma espécie de museu prodigioso, detalhadamente esculpido a partir da ideia de uma outra cidade, uma metrópole que exista primeiro noutra dimensão, platónica e distante. Mas, felizmente, as coisas não se passam assim e Lisboa, tanto em ideia como em corpo, existe à saída da ponte. Analisada através desta visão silenciosa, mostra uma grandeza concisa, é frágil e forte, serena, compósita, antiga e recente. À medida que o trajecto por percorrer encurta, os espaços crescem, fecham-se ângulos e um leve bulício quotidiano sobrevém ao silêncio. O Tejo é uma planície de água, de aspecto muito diferente daquele rio que me acompanha nos meus passeios – mexido, odoroso, contido ou bravio, presente. Visto daqui, transforma-se num enorme caminho de água, que muda de configuração suavemente. Água azul, verde, cinzenta, dourada, dura, castanha e brilhante; água gelada, provavelmente, mas em todo o caso com aparência quente. É uma imagem lenta que inspira o seu quê de melancolia, como se, assim, o rio se exprimisse com nostalgia, nostalgia da terra que deixou ou da que se prepara para deixar ou talvez da outra terra longínqua, o lugar aonde, separado, deveria chegar.
Estou na Brasileira a cafezar, e o que acabaste de ler é mero devaneio (ou talvez não) que me ajudou a preencher de azul o vazio da página enquanto tu não chegas.

sábado, setembro 09, 2006

Desconcerto para Voz e Piano

para N


Toma nota: existem precipícios sem desmoronamentos. Disfarço-os descansando os dedos no piano, como se a música iludisse anos de silêncio. Passando de oitava em oitava, a minha mão direita só finge a rugosidade dos parapeitos das pontes em Veneza.
Nunca estivemos tão à beira de nos lançarmos uma na outra, de passar o precipício e dizermo-nos adeus.
Toma nota: existem catacumbas dentro de nós. Assento os dedos por hábito na parte esquerda e o som é cavo. Ergues o grito e pouco mais que o eco, percussão, espeleologia até ao centro da mudez.
Nada a fazer: não há mais ensaios, afinações, cordas que nos enlacem.
Toma nota e deixa-me descansar a cabeça sobre um colo. Não o teu, bem sabes que não foi bom confundirmos a batida dos pés no chão com um acerto de pulsações.