domingo, outubro 29, 2006

A morte saiu à rua

O Triunfo da Morte, Félix Nussbaum

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Cantem…
Dancem…
Rompam aos saltos e pinotes
Façam soar bombos, violinos e fagotes
Clarinetes, flautas e realejos
A morte saiu à rua
E vem saciar vossos desejos.

Deliciem-se com o terror e a comédia
Saciem vossas mentes hediondas e pérfidas
Vós sois portos seguros de areias movediças
E nos campos de neblina azeda
Semeais larvas de inveja e cobiça
E dos lábios alegóricos, as palavras
Que manipulam os sonhos
Ciganai em feiras de vaidade as suas ruínas
Dancem sobre as vítimas despojadas
Festejem sobre os seus restos mortais
Entoem vossos cânticos infernais
Rejubilem! pois a morte veio para ficar.

terça-feira, outubro 24, 2006

Páginas em Branco


René Magritte, A Página em Branco, 1967


Abro o caderno para escrever a vida.
Olho para as páginas em branco…
E não sei como começar.
A vida escreve-se em prosa ou em poesia?
Será que a vida pode ser uma canzo, uma trova, um soneto,
uma écloga, uma canção de gesta, uma xácara?..
Poesia contemporânea, concreta, experimental, cósmica, cultista, do direito,
satírica, amável, palaciana, incompleta, quase toda e até agora, póstuma…
Ou será antes prosa? Bárbara, dispersa, analítica, critica,
das mil e uma noites, das noites de lua cheia, feiticeira..
Sobressalto-me com mais dúvidas.
Em que alfabeto se escreve a vida
Como se desenham as palavras do coração?
Nasce o conflito no azul-cobalto
onde se esqueceram de pendurar as estrelas.
Revolto-me e grito
perante valores destroçados,
de vidas trocadas ou esquecidas.
Longo e misterioso é o caminho a percorrer…
Entretanto, as páginas continuam em branco.

segunda-feira, outubro 23, 2006

A Comédia Humana




La Comédie Humaine, Jean-Louis Hamon (1821-1874), óleo sobre tela
Musée d`Orsay, Paris.


Jean-Louis Hamon, expoente do estilo neoclássico vigente em França (entre 1845-1880), é acometido de um ataque de ironia levando-o a pintar esta Comédia Humana que decide expor no Salão de 1852. Não contente com o feito, volta a apresentá-la três anos mais tarde na grande Exposição Universal de Paris, onde mereceu um êxito retumbante.
O tema parece ser o pequeno teatro de fantoches pintado no centro, teatro que alberga já não as célebres figuras de Guignol, do Diabo e do Polícia, mas antes o Amor, pendurado no pelourinho, Baco, caído de bêbado, e Atena. Quer de um lado, quer do outro do théatron avançam personagens ilustres: reconhece-se, à direita, Dante que escreve, Virgílio e, mais adiante, Homero guiado por uma criança, assim como, Ésquilo segurando a máscara da tragédia; à esquerda, vemos Alexandre, dando uma moeda a uma mulher do teatro, Anacreonte, agarrando a sua lira, e Diógenes fora do seu barril.
Se pensarmos no sucesso que foi esta Comédie, a pretensa charada divertiu certamente o público que terá sido seduzido também pelos miúdos deliciosos, que assistem ao espectáculo.
Soyez les bien venus à La Comédie Humaine!..

sexta-feira, outubro 13, 2006

Nocturnamente





Nocturnamente
Me dispo
E nua
Em frente ao espelho
O olhar em que me despojo
Me inicio
Me anuncio
E me denuncio